segunda-feira, 4 de abril de 2011

Com resultados e ações em queda, Cyrela tenta se reerguer e prepara sucessão



No pôr do sol da última sexta-feira, ao deixar a sede da Cyrela na Avenida Juscelino Kubitschek, em São Paulo, Elie Horn encerrou uma semana fatídica de trabalho - talvez uma das mais difíceis à frente da incorporadora que comanda há 49 anos e que até dez meses atrás ostentava o título de maior do País. Na terça-feira, ele teve de explicar ao mercado o pior resultado da história recente da companhia: a margem líquida, que sempre foi uma das mais altas do setor, em torno de 20%, despencou para 5,9% no quarto trimestre.

Como de praxe, Elie foi o primeiro a falar na teleconferência com analistas financeiros. Com o característico sotaque sírio, que às vezes o torna incompreensível, leu a primeira frase da apresentação preparada à mão, três dias antes. "O ano de 2010 foi marcado por uma série de desafios para a Cyrela", disse, em tom contido. Nos anos anteriores, mesmo os que se seguiram à crise financeira mundial, Elie sempre iniciou seus discursos com frases otimistas.

"Ele é uma pessoa extremamente entusiasmada com o trabalho e com a empresa", disse um empresário do setor. "Mas nesses últimos meses, perdeu o brilho nos olhos." Continua trabalhando 16 horas por dia, do anoitecer de sábado ao pôr do sol da sexta-feira seguinte (Elie e a Cyrela só param em respeito ao shabat, dia sagrado de descanso semanal na cultura judaica), mas está cabisbaixo, com o semblante de "um pai que tem o filho doente", na descrição de um amigo próximo.

A preocupação de Elie começou no fim de 2008, quando a primeira obra feita em parceria com uma construtora regional, no Rio de Janeiro, apresentou problemas no orçamento. O custo de execução do empreendimento ficou acima do projetado. Esse foi o primeiro de uma série de "estouros de obra".
Na época, 66% dos canteiros da Cyrela eram tocados em parceria com empresas menores. A companhia lastreou sua expansão pelo País, iniciada depois da abertura de capital, na sociedade com construtoras regionais: a Cyrela financia a obra e o parceiro entra com seu conhecimento do mercado local.
Esse foi um modelo que se tornou comum no mercado imobiliário nos últimos anos, mas que trouxe problemas para o setor. Algumas parceiras não conseguiram acompanhar a escala exigida pelas grandes incorporadoras. No caso da Cyrela, as limitações das parceiras levaram mais tempo para serem percebidas e o estouro do orçamento saiu do controle, segundo os analistas. No fim do ano passado, quando se deu conta de que o rombo se aproximaria de R$ 500 milhões, a incorporadora contratou a consultoria de gestão INDG, de Vicente Falconi, para diagnosticar a origem do problema.

Mão de obra. Escolhido por Elie como porta voz da empresa, Ubirajara Spessotto, diretor-geral da Cyrela em São Paulo, diz que a grande vilã do estouro foi a escassez de mão de obra qualificada, que levou à redução da produtividade e ao aumento dos custos. "Se tivesse de passar esse filme de novo, seria exatamente igual", afirma. "Não tinha como prever."


Mas pessoas próximas à companhia concordam que a raiz do problema está na personalidade de Elie Horn. Centralizador ao extremo dentro da Cyrela (até pouco tempo, dizem, ele assinava todos os cheques acima de R$ 4 mil), o empresário não conseguiu acompanhar o que acontecia em cada um dos 200 canteiros de obra. "Um dos erros do Elie foi dar total liberdade aos parceiros", acredita uma fonte ligada à Cyrela.
No ano passado, a situação chegou ao limite. A empresa identificou 30 obras com estouro - uma delas com custo 15% superior ao previsto inicialmente. "Boa parte das grandes incorporadoras listadas na bolsa passou por isso, mas a Cyrela foi a última a tomar uma atitude", diz Eduardo Silveira, da Fator Corretora. "Com certeza é o caso mais dramático." Entre as incorporadoras de capital aberto, a Cyrela foi a que teve a pior margem líquida no quarto trimestre. Em 2011, até a última sexta-feira, os papéis registraram desvalorização de 26,7% - a queda só não foi maior que a da Trisul.

As primeiras referências, ainda superficiais, ao aumento de custos, começaram a aparecer no balanço de 2009. A empresa chegou a assumir um estouro de R$ 183 milhões no segundo trimestre de 2010 e garantiu ao mercado que não havia mais nada. "Questionamos a companhia, mas a resposta era sempre a mesma: "existem construtoras e construtoras. Nós somos a Cyrela", lembra um analista. Parte das respostas que os investidores vinham cobrando de Elie Horn chegou em fevereiro, com a redução das metas de vendas e lançamentos para 2011 e 2012. Na última divulgação de resultados, a má notícia veio acompanhada do compromisso da Cyrela de reduzir as parcerias para menos de 30% das obras.

A incorporadora passou 2010 tentando encontrar caminhos para drenar e evitar futuras perdas. Há seis meses, criou duas novas diretorias, comandadas por executivos com mais de 15 anos de casa, que terão a missão de levar os parâmetros de engenharia adotados em São Paulo para o restante do País. "O que fazíamos era um monitoramento. Agora, vamos adotar uma cogestão", explica Spessotto.
Os prazos de obras futuras estão sendo revisados. Hoje, dos 30 canteiros com estouro, 19 têm atrasos de mais de seis meses. "Isso é traço perto do número de canteiros que temos", diz o porta-voz. "O que não dá para mensurar é o prejuízo que isso causa à nossa imagem."

Desde o início do ano, todos os esforços estão concentrados na reestruturação da Cyrela. A crise tomou o tempo que Elie Horn vinha dedicando à sua sucessão - assunto tratado desde o fim de 2009, mas guardado a sete chaves. "Sucessão? Pra gente essa palavra é sinônimo de sucesso grande", brinca o diretor de relações com investidores, Luis Largman. "O Elie está longe de querer usar um pijama de seda", completou Spessotto.
Brincadeiras à parte, o fato é que Elie Horn, aos 66 anos, já se deu até uma data para deixar a companhia: 2015. O empresário contratou o consultor em gestão Sérgio Foguel, membro do conselho de administração da Odebrecht, para orientá-lo nesse processo. Os dois se conheceram num almoço marcado por um amigo em comum. Foguel contou, na ocasião, o trabalho que fez nas sucessões na Odebrecht. "Agora entendi porque queriam que nos conhecêssemos", teria dito o empresário ao fim do encontro.
Num domingo, 15 de novembro de 2009, já sob as orientações de Foguel, 15 pessoas se reuniram na casa de Elie Horn para firmar o que ficou conhecido internamente como "pacto de perenização" da Cyrela: uma série de diretrizes que ajudarão o empresário a definir seu sucessor.

Um dos compromissos assumidos foi o de dar forma e conteúdo explícito à cultura da incorporadora. "A perenização depende de que, no dia a dia, a Cyrela seja uma fábrica de líderes", resumiu Rafael Horn naquele domingo. Segundo dos três filhos de Elie, Rafael é o que mais vem ganhando poder dentro da Cyrela. Hoje, aos 27 anos, já responde pelas diretorias administrativa, financeira e de recursos humanos. "Mas a sucessão ainda não está definida", diz o consultor. Até 2015, Elie terá muito trabalho pela frente. 

Naiana Oscar e Patrícia Cançado - O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário