quarta-feira, 30 de março de 2011

Aumento de custos derruba lucro da Cyrela



A Cyrela, segunda maior empresa do setor de construção em valor de mercado, teve um dos piores resultados de sua história. A divulgação das demonstrações financeiras da incorporadora surpreendeu ontem os investidores e evidenciou a dificuldade da companhia em controlar custos depois que seu crescimento foi turbinado nos últimos anos por associações e parcerias com construtoras em todo o país.

Após sucessivos aumentos de lucro, a companhia apresentou queda expressiva na última linha do balanço. A Cyrela lucrou R$ 82,5 milhões no quarto trimestre de 2010, 60,3% menor na comparação com o mesmo período do ano anterior. No ano, o recuo foi de 17,7%. A margem líquida caiu de 17,4% no quarto trimestre de 2009 para 5,9% no mesmo período de 2010 - nível nunca antes registrado por uma companhia do porte e respeito conquistados pela Cyrela ao longo dos anos e comparável ao das empresas que tiveram sérios problemas nos últimos anos e foram sendo adquiridas por concorrentes, como Klabin Segall, Agra e InPar. Historicamente, a margem líquida da Cyrela era uma das melhores do setor, acima de 20%.


Ontem, em teleconferência com analistas, a companhia - na voz de seu presidente, Elie Horn - fez um mea culpa. Admitiu que teve problemas e está corrigindo a rota. O tom foi de uma empresa que vive uma situação delicada, sim - muito em função do crescimento - e que no médio prazo pretende voltar a ter boas notícias. "Para o próximo ano, queremos rentabilidade acima de tudo", disse Elie Horn.
A Cyrela terá um trabalho árduo pela frente. A forte queda de margem de outubro a dezembro contaminou a rentabilidade anual. No ano, em relação a 2009, a margem Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) teve queda de 5,8 pontos percentuais, a margem bruta caiu 3,1 pontos percentuais e a líquida recuou 5,6 pontos.


Os problemas estão concentrados no descontrole do orçamento e, segundo a própria companhia, mais focados nos parceiros. "Neste trimestre, realizamos uma conciliação detalhada dos orçamentos de custos financeiros a incorrer versus a evolução física de nossas obras orgânicas (obras executadas pela própria companhia) com parceiros e terceiros, o que resultou num acréscimo no custo orçado a incorrer no trimestre de R$ 367,2 milhões, 3,7% sobre o custo orçado total", escreveu a companhia no release de resultados.
Desse "estouro", segundo o diretor financeiro Luis Largman, 30% foram ocasionados nas obras próprias e 70% onde a produção é terceirizada. Durante todo o ano de 2010, o incremento total de custo foi de R$ 533,6 milhões. De cerca de 200 canteiros de obras, houve problemas em 30. Ainda de acordo com Largman, com o crescimento acelerado, começaram a aparecer os problemas. Alguns parceiros passaram a ter duas a três vezes o número de obras que tinham antes. "Mas tivemos muitos acertos com muitos parceiros", disse.

A situação foi detectada pela Cyrela ainda no ano passado, a ponto de o empresário Elie Horn, controlador da Cyrela, ter destacado três executivos para comandar a implantação de um controle mais rigoroso de custos nas suas parceiras espalhadas pelo país. Segundo a reportagem do Valor apurou, há pelo menos oito meses, os executivos Eric Alencar, Paulo Madruga Silva e Gustavo Tayar estão acompanhando mais de perto o dia a dia das operações, respectivamente, no Rio de Janeiro, no Centro-Oeste e no Nordeste.
Essa seria uma tentativa de recuperar o atraso da empresa na implementação do SAP, sistema que integraria todas as operações. O sistema começou a ser implantado entre 2006 e 2007. Com a explosão da crise em 2008, a empresa colocou o pé no freio e retomou a implantação em meados de 2009. Segundo a companhia, a implantação do software custou R$ 33,5 milhões. Procurada para comentar a missão dos executivos nas regiões, a companhia não concedeu entrevista.


O diretor da Cyrela em São Paulo, Ubirajara Alves, disse na teleconferência que a companhia vai aprimorar a gestão e a fiscalização das obras de terceiros e adotar a cogestão desses empreendimentos. "Vamos melhorar o treinamento de mão-de-obra, o que leva algum tempo, vamos reorganizar a engenharia em esfera nacional para atender o crescimento futuro e contratamos uma consultoria para preparar indicadores nos mercados regionais", disse.

Valor apurou que os maiores problemas estão na Bahia, onde a companhia tem parceria com a Andrade Mendonça. Ambas estão construindo o maior empreendimento de Salvador, com cerca de mil unidades para a classe média e média alta. Só nessa obra, o estouro no orçamento teria sido de mais de R$ 150 milhões. O projeto está com atraso na entrega. Procurada, a Andrade Mandonça não retornou.
Como toda empresa do setor imobiliário, a Cyrela atua com parcerias nos mercados nos quais não operava tradicionalmente. A Cyrela tem parceiros nas SPEs (Sociedades de Propósito Específico), empresa criada para cada empreendimento - geralmente uma construtora para cada região -, além de joint ventures, como é o caso da Cury para baixa renda e Mac. É controladora de duas outras empresas, a RJZ, do Rio, e a Goldztein, que atua no sul do país.

Em 2010, para cumprir o que prometeu ao mercado, a Cyrela lançou R$ 4,5 bilhões no último trimestre, quase 70% do total do ano, de R$ 7,6 bilhões. As despesas comerciais subiram 37,9% de um ano para outro, passando de R$ 291,2 milhões para R$ 401,8 milhões. As despesas gerais e administrativas aumentaram de R$ 255,8 milhões em 2009 para R$ 352,4 milhões em 2010. "Abrimos filiais no Centro-Oeste e no Norte", disse Largman para justificar o aumento. "Esses gastos corroem margem e não têm nada a ver com aumento de custo de construção", afirmou uma fonte do setor.


Para analistas ouvidos pelo Valor, a Cyrela demorou para dimensionar o tamanho dos problemas, enquanto concorrentes do setor, como Rossi e Gafisa, vêm reconhecendo estouros de obras desde 2008. A MRV, por exemplo, acaba de reconhecer um ajuste de orçamento de R$ 50 milhões e também teve impacto importante nas margens. "Olhando em retrospectiva, acreditamos que os lucros reportados pela Cyrela foram motivados por orçamentos imprecisos", diz em relatório Guilherme Vilazante, analista do Barclays. "Então, o prêmio com que a empresa era negociada em bolsa era injustificável."

Com queda do caixa de R$ 1,7 bilhão no fim de 2009 para R$ 1,15 bilhão em 2010, a dívida líquida saiu de R$ 927 bilhões para R$ 2,25 bilhões na mesma comparação.
Embora os papéis tenham fechado com leve alta ontem (0,5%), no ano é a maior queda do setor, de 31,4%. A interpretação do mercado é que os investidores já tinham penalizado a empresa depois que anunciou, há cerca de 15 dias, revisão na previsão de lançamentos, vendas e margens. Para a margem Ebitda, a companhia projetava um intervalo entre 20% e 24% para 2011 e 2012. Reduziu para uma faixa entre 15% e 19% este ano.

Daniela D'Ambrosio e Denise Carvalho | De São Paulo
30/03/2011

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